quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Confidência

Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios


sopra-o com suavidade
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça


Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno


Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci


Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos


No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome


Mia Couto, Raiz de orvalho e outros poemas

2 comentários:

Anónimo disse...

Mia Couto é admirável em tudo o que escreve.
Deliciei-me com o «Jesusalém»

Boa noite, deep

libelinha disse...

Marcou-me bastante o "Raiz de Orvalho" e foi bom encontrar este poema. Obrigada.